as pedraS . . .

um cão
velho
na calçada fareja
fareja fareja e pensa
enquanto sua dona
paciente
aguarda por sua deci-
são...

tempo eterno o do cão
consciência
-- deva --
não cindida pela
razão


.
Rio, 30 de maio de 2018
.

.

A poesia é simplesmente esta fotografia
Dessa tarde que foi só
De chuva e sol e outros tons etéreos
Que compõem o Éden e outros lugares idílicos
Como o lugar de uma tarde consigo


A poesia tem de ser este instantâneo
Onde cabe todo o tempo do mundo
E de tanto tempo assim túrgida
Tempo nenhum se pesa no pensar
No passar do tempo de uma tarde sem tempo
Uma tarde apenas de se estar
Consigo




( Rio, janeiro de 2018)

E, neste momento em que vivemos
Faz-se urgente não um movimento para fora
De
Si
Mas para dentro de nós mesmos onde
Um sol espera só que para ele olhemos

E assim de olhos fechados mas espírito aberto
Por certo toda mudança é possível
Porque é no plano do invisível
Onde tudo se transforma

Toda transformação dentro
Ressoa em transformação fora
Infalivelmente


.

Rio, 29 de maio de 2018

O homem não pode igualar-se a Deus
E dominar seu próprio mundo
Embora possua o homem em parte
A mesma matéria de Deus no espírito
Centelha divina que o homem ignora
Seu tanto de Deus que a tudo dispensa
Mas que sempre ignorado
Leva o homem a querer elevar-se
Quando elevado ele já o é por natureza
Porém se desconhece
E sua mente cega tece
Desejos e planos de grandeza


*   *   *

Sejamos sem ambições como ervas no campo
Que apenas existem e nisso já há tanto
Sejamos apenas e sendo somente estejamos
E nos saibamos completos e plenos
Tal como ervas no campo
Vibrando certas no certo de sua existência




(23 de fevereiro de 2018)

ESCRITA



(a)

a faca lamenta da pena
o bico cheio de grãos
o sumo que vai
correr no sulco do que
antes era a planície
a plana meninice
do espaço lactante

a pena ao pino
fecunda,
façanha de faca,
pingo, pedra, lenha, gota
negra da proteína de tudo
inunda um mundo diminuto de um universo de possibilidades

canta em cântaros o ponto
na expansão esférica do que pode
expandir
extravagante via-láctea


(b)

o vento grava no horizonte
seu testemunho de geografia,
toda paisagem é fotografia
da paisagem escrita na gente


(  )

recolhido à telha
do talhe o vento
dorme a gato
cuneiforme e reticente
e acorda pro entalhe
do que no sonho era novelo

e vai de novo
a zelo
a zero

cada ser uma palavra
no discurso infinito do tempo




IN:  32 POEMAS PARA CADA COISA. Ed. Confraria do vento.
Há a lembrança de um sonho, agora
Uma lembrança enevoada, no entanto
Como restasse apenas a aura dessa lembrança
E as imagens todas esfumaçadas embora nítidas
E embora nítidas, distantes
E assim distantes, míopes
Embora míopes não sejam meus olhos
Porém, entre o mundo físico ilusório
E o mundo oculto dentro, real
Real no tanto de imaterial que seja,
Entre esses dois mundos
Uma distância absurda
Um hiato infinito como o de um átomo
Na palma da mão
Entre esses dois mundos neste lapso
Imensurável e inconcebível lapso
A Poesia
E esse rastro no infinito

Mas, quanto à lembrança daquele sonho...

Deixá-la névoa



( 16 de setembro de 2017)